OEE serve pra alguma coisa?

Se você realmente quer eliminar desperdícios, você precisa estar disposto a questionar tudo. E esse questionar tudo tem o significado especial de entender o motivo de tudo o que você faz, a utilidade de tudo o que você usa no seu dia a dia. Se não conseguimos enxergar e entender o que é útil ou não, não iremos conseguir enxergar desperdícios. Basicamente, você precisa aprender a querer saber o porquê.

E essa jornada para questionar a utilidade de tudo não poderia deixar de lado as nossas tão queridas métricas. Medir é bonito, e ter quadros de indicadores e dashboards eletrônicos para uns tem mais importância como status e aparência de gestão do que importância como uma ferramenta para tal. Mas medir não agrega valor, a não ser que o produto da nossa empresa seja o cálculo de indicadores.

Hoje, o nosso alvo de questionamento é o extremamente popular OEE. Será que ele realmente serve para alguma coisa?

O que é o OEE?

Como sigla, o OEE é a forma reduzida de Overall Equipment Effectiveness. Em português, Eficácia Geral dos Equipamentos. A intenção é gerar um índice geral que represente o quão bem estamos aplicando nossos recursos, sendo este recurso, os equipamentos (alguns, inclusive empresas multinacionais enormes, fazem uma bizarrice de calcular um OEE “geral” para linhas de processo, mas a ideia original, é para o equipamento). O valor do OEE resulta da multiplicação de três índices:

– Índice de Qualidade: quantidade de produtos bons produzidos em relação à produção total. Exemplo:

Produção Total: 100 unidades.

Unidades boas: 80 unidades.

Unidades com defeito: 20 unidades.

Índice de Qualidade = 80/100 = 0,8. Se você quiser enxergar em porcentagem, multiplique por 100 = 80%.

– Índice de Produtividade: quantidade de produtos produzidos em relação à capacidade nominal ou planejada de produção. Exemplo:

Produção Total: 100 unidades.

Capacidade Planejada de Produção: 200 unidades.

Índice de Produtividade: 100/200 = 0,5. Em porcentagem, 50%.

– e Índice de Disponibilidade: quantidade de horas operando em relação à disponibilidade total de horas para produzir.

Horas Operadas (hoje): 5 horas.

Total de Horas Disponíveis para Operar: 8 horas.

Índice de Disponibilidade: 5/8 = 0,625. Em porcentagem, 62,5%.

Os índices que compõem o OEE também podem ser calculados usando horas. Mas, por exemplo, não parece nada prático medir durante quantas horas do dia uma máquina produziu unidades boas, ao invés de quantidade de unidades boas. Você inclusive vai encontrar o calculo do OEE com outros nomes para os índices, mas na essência, são as mesmas informações.

Útil? Ou somente um cálculo a mais sem necessidade?

Nesta semana, mais exatamente há um dia, fizemos uma enquete rápida sobre o uso do OEE lá na nossa página no LinkedIn, e estes foram os resultados:

Como você pode ver, do total de pessoas que participaram, 66% calculam o OEE porque acham útil. E não tivemos explicações sobre o que significa considerar útil nos comentários. As poucas que surgiram apenas explicavam o indicador. Vamos ver um contraponto à possível utilidade do OEE. Considere as seguintes situações [1]:


A
Índice de Qualidade: 0,99 (99%)

Índice de Produtividade: 0,64 (64%)

Índice de Disponibilidade: 1 (100%)

B
Índice de Qualidade: 0,7 (70%)

Índice de Produtividade: 1 (100%)

Índice de Disponibilidade: 0,9 (90%)

C
Índice de Qualidade: 0,63 (63%)

Índice de Produtividade: 1,23 (123%)

Índice de Disponibilidade: 0,81 (81%)

D
Índice de Qualidade: 0,87 (87%)

Índice de Produtividade: 1,14 (114%)

Índice de Disponibilidade: 0,63 (63%)


Notou alguma semelhança entre elas?

Não?

A semelhança é que se você calcular o OEE para qualquer uma delas, o resultado sera 63%.

Pense: para que medimos performance em um negócio? Para termos referência para tomar alguma ação útil, em tempo hábil de preferência. Isso implica que um indicador tem que nos sinalizar a situação de performance em que algo se encontra. Haver um grande delay entre a informação e a ação pode complicar um problema, por exemplo. Certo?

Se você visualizasse no seu indicador que seu OEE é de 63%, você conseguiria saber o que fazer?

Para onde ir?

O que procurar?

De imediato?

Eu não conseguiria. São quatro cenários com índices diferentes, onde olhar o OEE diria para você que eles são a mesma coisa, fazendo dele uma multiplicação que não diz nada sobre algum fator importante. Para entender o que está levando meu OEE para o valor de 63%, eu preciso olhar o quanto está meu Índice de Qualidade, meu Índice de Produtividade e meu Índice de Disponibilidade. Basicamente, para o OEE me dar alguma informação útil, eu tenho que desfazer o cálculo. E a não ser que o produto da sua empresa seja calcular indicadores, calcular indicadores é uma atividade que não agrega valor, entrando em uma das categorias de desperdício.

OEE, Lean e quem manja do assunto

Sabia que o OEE foi anexado ao Lean? O indicador surgiu no TPM – Total Productive Maintenance (em português, Manutenção Produtiva Total), bem depois do Sistema Toyota de Produção (TPS) – principal inspiração do Lean. E o TPM, indispensável para o Just-in-Time, foi outro assunto que se distorceu e engordou (possivelmente, de acordo com a necessidade de ganhar dinheiro), a ponto de hoje você encontrar explicações sobre ele que são basicamente uma descrição do TPS, mas sob o nome de TPM. Engraçado que tudo o que quer estar em alta no mundo da consultoria, acaba tendo que “ser completado” com ele. Isso parece uma comprovação de que não adianta tentar vender pedaços, pois como disse o mestre:


[…] aqueles que decidirem implementar o sistema Toyota de produção devem estar inteiramente comprometidos. Se você tentar adotar apenas as ‘partes boas’, você irá falhar. – Sr. Taiichi Ohno em NPS – New Production System (1988).


Sobre indicadores no geral, grandes especialistas como M.L.”Bob” Emiliani e Brian H. Maskell, que estudaram diretamente a utilidade de indicadores e sua forma diante das novas demandas que surgem com o buyer’s market e o Kaizen indicam que devemos evitar multiplicações e índices desnecessários, pois a utilidade de indicadores vem da facilidade das pessoas enxergarem como seu trabalho afeta os números [3].

Dr. Donald J. Wheeler, um grande nome da estatística e Qualidade, admirador do Dr. Deming também tem uma posição semelhante sobre OEE e outras multiplicações para gerar índices:


OEE é como usar nosso peso multiplicado pela nossa altura multiplicado pela nossa pressão arterial sistólica, como uma medida de o quão bonitos nós somos.


Mark DeLuzio, em um de seus trabalhos discutindo dentre tantos assuntos, o OEE, observa:


Eu não necessariamente discordo da noção de OEE, contanto que seja gerenciado dentro dos limites dos princípios Lean. […] no entanto, a maioria das pessoas se concentra apenas no tempo de produtividade do equipamento. Se OEE for o objetivo, haverá uma tendência de violar o princípio do Just-In-Time, bem como violar a noção de TAKT Time. O excesso de estoque será produzido (bem como o estoque errado) ao tentar otimizar essa única métrica. Haverá uma tendência natural de evitar setups e, ironicamente, os procedimentos de manutenção preventiva serão omitidos em um esforço para manter a máquina funcionando.
[…] Eu estava visitando uma fábrica com um CEO e seu CFO. Eu perguntei como
as pessoas eram recompensadas na fábrica. A seguinte troca ocorreu:

CFO: “Toda a supervisão e gestão da fábrica têm seus bônus vinculados ao tempo de atividade da máquina.”

Eu: “Por que isso?”

CFO: “Porque pagamos muito dinheiro por essas máquinas e precisamos obter nosso retorno sobre o investimento maximizando a utilização da máquina.”

Eu: “Você pagou muito dinheiro pelo carro que dirigiu para o trabalho hoje?”

CFO: “Sim, fiz. Acabei de comprar um novo Lexus. ”

Eu: “Bem, então eu imagino quando você chegar em casa esta noite, você vai dar uma volta pelo quarteirão com seu novo Lexus por algumas horas, a fim de garantir que obtenha seu ‘retorno do investimento’, correto? Afinal, a utilização é fundamental, de acordo com a sua política de remuneração. ”

CFO: “Não pensei nisso dessa forma … preciso pensar mais um pouco sobre isso.”

Discutimos os comportamentos disfuncionais que essa métrica estava tendo em seu negócio. Pouco depois, ele mudou suas métricas e estrutura de bônus para refletir melhor o pensamento e os comportamentos Lean.


Toyota não mede OEE, mas sim…

Em um artigo [4] sobre OEE do famoso Jeffrey Liker, há alguns trechos bem interessantes sobre o uso da métrica. Gary Convis, citado abaixo, participou do time da lendária parceria Toyota NUMMI, e mais tarde, foi membro do conselho da empresa.

Enquanto Gary Convis e eu estávamos escrevendo The Toyota Way to Lean Leadership, ele se tornou o CEO da Dana (fornecedor de peças de chassis de caminhões). Ele rapidamente aprendeu que a empresa estava operando sem KPIs que pudessem ser vistos do seu nível ao nível do grupo de trabalho, então ele trabalhou com uma equipe para desenvolver e pilotar KPIs por região. Um que sobreviveu foi o OEE. Fiquei surpreso e perguntei a Gary sobre isso, mencionando que nunca vi o OEE medido na Toyota. Ele disse que era uma medida aceita dentro da cultura Dana e queria apoiar o que eles usaram e acreditam que funciona.

Em um ano, descobri que ele havia eliminado o OEE como medida e o substituído por tempo de atividade do equipamento, ou o que alguns na Toyota chamam de “disponibilidade operacional”. Que porcentagem do que deveria sair da máquina em um turno normal sai da máquina? Isso é muito fácil de entender em todo o chão de fábrica. Acontece que quando Gary visitou uma fábrica, ele teve dificuldade em encontrar alguém que realmente entendesse o que OEE significava e o estivesse usando para melhorias, e ele próprio não entendia.

Sobre o indicador Disponibilidade Operacional, Liker complementa:

Recentemente, visitei as fábricas de motores e transmissões da Toyota em Buffalo, West Virginia. Na fábrica de transmissão, eles explicaram que a forma como todos – assalariados e horistas – ganham aumentos e bônus a cada ano é baseada na produção de transmissões. Isso é o que paga a planta. Os fatores-chave na produção são o equipamento funcionando quando deveria estar funcionando e a qualidade. Todos entendem “disponibilidade operacional” (OA). Eles têm um contador mostrando quantas peças de transmissão cada máquina deve produzir ao longo do dia com base no takt (taxa de demanda do cliente) e no que estão produzindo. Eles medem OA por turno. Eles também medem defeitos/100 em uma medida de qualidade separada, ambos enviados externamente ao cliente, e defeitos internos mais importantes que são detectados na inspeção e são reparados ou descartados.

A forma como o OA é usado não é para comparar o desempenho ou qualquer tipo de recompensa individual ou sistema de punição. É usado para melhoria. O quadro de desempenho geral da planta mostra OA por turno. Isso é vinculado aos quadros de desempenho de departamento e até detalha o OA por hora. A cada hora o OA é examinado e comentários são escritos sobre o motivo de qualquer tempo de inatividade para uma máquina específica. A maioria dos problemas são únicos, e levam a contramedidas imediatas pela manutenção. Itens recorrentes vão para uma folha de rastreamento e seguem um processo de resolução de problemas mais rigoroso para chegar à causa raiz.

Na Toyota, os padrões de tempo de atividade, estabelecidos no Japão, são muito altos – na faixa de 98 a 99%. Há pouco estoque e muitas vezes as máquinas são configuradas sequencialmente, de modo que uma máquina que desliga rapidamente desliga toda uma linha de máquinas. É raro andar em uma fábrica da Toyota ver algum equipamento parado por mais de alguns minutos. Seus equipamentos funcionam tão bem, não por causa de sistemas de medição elaborados, mas por causa da resposta rápida a falhas e resolução rigorosa de problemas quando uma causa recorrente é detectada. A melhoria contínua está no centro do bem-estar do equipamento e a melhoria contínua só pode ser feita por pessoas capazes, motivadas e pensantes.

E agora? Paro de usar o OEE?

Você é quem deve decidir, de acordo com o que viu aqui e observando o seu dia a dia. Como você viu, é uma métrica basicamente inútil. Mas pode ser que você encontre alguma utilidade que passou despercebida:

– Em que o OEE é melhor para a tomada de decisão do que as três métricas – Qualidade, Produtividade e Utilização – separadas?

– O OEE mostra o quão bem estamos atendendo nossos clientes internos e externos (uma das coisas mais importantes para a sobrevivência de uma empresa)? Ou você precisa desdobrar o índice pra entender melhor?

– O OEE facilita descobrir onde temos um problema em uma máquina? Ou você precisa desdobrar o índice para entender? Eficiência e Eficácia da máquina dependem somente do elemento Máquina?

– No nível estratégico, o OEE realmente ajuda a tomar uma decisão adequada sobre o que fazer com uma unidade de negócio? Ele ajuda a focar na causa raiz, e no longo prazo, ou só incentiva a ideia de curto prazo de mandar produção para alguma planta mais eficiente, enquanto a outra se vira? Que efeito isso teria no moral das pessoas? Será que a melhor diretoria é aquela que toma decisões assim?

– A nível tático, o OEE ajuda a priorizar o que deveria ser melhorado para cumprir os objetivos da empresa?

Teste. Se não encontrar, pense se vale o desperdício de calcular um número a mais para depois ter que desfazê-lo para ele ter utilidade, ou se você irá gerir melhor se puder enxergar Qualidade, Produtividade e Disponibilidade direto na sua cara (não esqueça de considerar o fato de que, especialmente se você lidera na linha de frente, você deveria estar fazendo gestão no genba, e não apenas olhando quadros de indicadores). E mesmo que seu OEE seja chique, em um dashboard, já mostrando abaixo os três índices, ainda pode ser um pedacinho de poder de processamento a mais, linhas de código a mais, sendo desperdiçadas.

Um grande abraço, e até a próxima!

P. S.: Se você gostou deste texto, acho que vai gostar bastante deste também: A loucura das métricas.

Algumas Referências do Texto

Quase impossível citar todas, mas segue uma lista com as mais básicas.

[1] OEE is a Flawed Manufacturing Metric. Why the Same OEE Number Can Mean Very Different Things

[2] NPS – New Production System: JIT Crossing Industry Borders – Isao Shinohara

[3] Practical Lean Leadership: A Strategic Leadership Guide for Executives – Bob Emiliani

[4] Is OEE a Useful Key Performance Indicator?

 

  • setembro 29, 2021
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