Como jogar videogame me ensinou a fazer Kaizen

Kaizen. Muitos pensam que é apenas mais um termo do mundo dos negócios, porque infelizmente, muita gente ainda não entende que qualquer coisa no mundo dos negócios, é puramente sobre gente. Com o Kaizen, não é diferente.

Em 2015 eu decidi que iria trocar o meu PC Gamer e voltar para o mundo dos consoles. Eu havia vendido o meu PlayStation 3 (o que quase me fez ser assassinado pela minha irmã, que amava jogar nele e estava com a platina de The Evil Within em andamento) e montado um PC, pelo prazer de poder montar hardware (acreditem, é viciante) e também de jogar o último jogo da série Metal Gear feito por Hideo Kojima, em Full HD, a 60fps. Mas como sempre fui alguém do mundo dos consoles, apaixonado pelos jogos exclusivos, cumprido o objetivo, era hora de voltar.

Busquei uma oferta na minha cidade, e encontrei alguém oferecendo um PlayStation 4 e aceitando um PC como troca. Negócio feito. E o PS4 ainda veio com 4 jogos:

  • The Witcher 3: Wild Hunt
  • Dark Souls 2 (versão Scholars of The First Sin)
  • Dark Souls 3
  • e Bloodborne.

E aqui começava o meu problema.

A série Dark Souls é considerada uma das séries de jogos mais difíceis e cruéis dos últimos tempos. Bloodborne, da mesma empresa e mesmo criador, era ao mesmo estilo. Eu tinha a mais absoluta certeza de que jamais conseguiria terminar um jogo desse tipo. Eu já havia zerado jogos difíceis, mas essa série era puro masoquismo.

Os inimigos padrão nos cenários são mais mortais do que a maioria dos chefes de jogos tradicionais. Os cenários, cheios de armadilhas; os inimigos, cheios de ataques surpresa que levam você a derrota com um único movimento. Como em todo RPG, seu personagem começa fraco e lento. Mas aqui, é acima do normal.

Se você morre antes de encontrar um checkpoint, que é algum local e/ou item em jogos que registra seu progresso, criando um ponto de retorno caso você morra a partir dali antes de encontrar um próximo checkpoint (no caso do Dark Souls, as bonfires – fogueiras, e no Bloodborne, as lamps – lâmpadas), você pode perder horas de progresso, já que eles costumam ficar, propositalmente, extremamente afastados uns dos outros. Não tem mapa. E se você morre, além de perder um item fundamental para fortalecer seu personagem, todos os inimigos do cenário renascem. Ah, e se você senta nas bonfires ou nas lamps para recuperar vida e reabastecer seus frascos de Estus ou os Blood Vials, o item utilizado para recuperar vida, mais uma vez, todos os inimigos renascem. É um jogo que não te ensina como fazer as coisas, te joga no meio do desconhecido e testa a cada segundo até onde vai a sua paciência e perseverança.

O alívio de quem encontrou uma Bonfire. Fonte da Imagem: Google Imagens.

Coloquei cada disco no PS4, olhei os gráficos um pouco, morri algumas vezes, e logo eu havia vendido os três jogos, ficando apenas com o The Witcher 3.

A mudança

Anos se passaram sem chegar perto de um jogo da série SoulsBorne, e em 2018, eu percebi que o Sistema Toyota de Produção e o Toyota Way eram para o que eu queria dedicar toda a minha vida acadêmica e profissional. Um dos conceitos primordiais nesse assunto é o Kaizen, o pensamento de todos os dias reconhecer suas fraquezas como pessoa, e melhorar um pouco mais. O Kaizen é praticado através do pensamento científico, onde você entende a situação atual, visualiza como deveria ser, planeja o que você fará para atingir esse estado desejado, testa o que você planejou, observa e aprende com o resultado dos testes, e se deu certo, você transforma na sua nova prática padrão. Se deu errado, você recomeça o ciclo, testa uma nova abordagem a partir do que você aprendeu, corrige…e assim vai.

No mesmo período em que eu comecei a estudar o assunto, a Sony liberou acesso ao Bloodborne para os assinantes do serviço PS Plus, e quando fiquei sabendo, decidi dar uma nova chance ao jogo. Apesar de ter abandonado a série, eu sempre via as pessoas jogando e ficava chateado por não conseguir jogar algo tão bem feito, com um visual e uma história tão intrigantes e ricos. Eu também queria desfrutar daquele prazer, ter aquela habilidade.

Aquele visual que faz sua mãe querer te mandar pra igreja. Fonte da Imagem: Google Imagens.

E eis que em 2020, eu já havia terminado Bloodborne quatro vezes. A cada vez que terminava, o tempo total era menor. E o jogo tem um sistema onde a cada vez em que você zera, ele fica mais difícil. Terminei todo o material extra do jogo. Tenho todos os itens opcionais e todos os troféus disponíveis. Hoje, entro on-line para ajudar quem está com dificuldade.

No Dark Souls 2, estou no último chefe e faltam apenas três troféus. E já comecei o Dark Souls 3.

Hoje eu sinto um prazer imenso ao jogar um jogo da série, e devo tudo isso ao Kaizen.

Mas o que eu fiz para conseguir isso e o que isso tem a ver com a vida (especialmente de quem não joga)?

O poder do Kaizen

A cada vez que eu morria no jogo, eu não via aquilo mais como algo simplesmente ruim. Não era porque aquilo não era feito pra mim. Eu passei a entender que eu só morria porque no plano que eu tinha para superar aquele obstáculo faltava apenas eu aprender algo que eu ainda não sabia. E ao errar, e morrer, eu havia aprendido um pouco mais sobre esse algo que eu não sabia, e que o que eu estava tentando não era o adequado. O que eu precisava era simplesmente testar, aprender algo com o erro, e pensar:

  • Okay. O que eu vou testar agora?

A partir do resultado desse novo teste, eu aprendia algo novo que poderia funcionar, e o que não iria funcionar.

E isso foi me dando um prazer imenso, pois os meus olhos se abriram: aquilo que te separa de uma meta é simplesmente aquilo que você ainda não sabe. Eu havia aprendido a pensar cientificamente, e “rodar” o PDCA na minha mente enquanto jogava! Aprendi a lapidar minha paciência, olhar as coisas com lógica, e de pouquinho em pouquinho, através da repetição, os inimigos e chefes que pareciam impossíveis, depois de algumas horas, eram quase fracos.

A frase que eu mais li… Fonte da Imagem: Google Imagens.

 

Mas mais importante do que tudo isso: hoje, em todas as áreas da minha vida, eu já sou mais assim. Se algo dá errado, eu tenho uma abordagem e um controle da situação cada vez mais adequado, mais tranquilo. A cada uma das centenas (literalmente) de vezes que o Bloodborne esfregava na minha cara a frase “Você morreu”, eu sabia que não era pessoal e que aquilo não era um limite final: era somente o limite do que eu sabia. Bastava eu aprender o que eu ainda não sabia. E hoje eu vejo que isso era pura e simplesmente, o espírito do Kaizen.

Imagine, em uma empresa, o poder de ter pessoas com essa mesma mentalidade, e que a cada desafio superado, se tornam mais felizes e mais orgulhosas em trabalhar naquele negócio. Consequentemente, elas vão querer mais e mais desafios, e resolver mais e mais problemas. É por isso que, por investir e ser fiel às pessoas, a Toyota é uma empresa imbatível.

O Kaizen é o caminho, porque ele faz o caminho

O Kaizen me ensinou a desistir menos, e desistir menos me possibilitou desfrutar de alegrias que eu achava que não eram para mim. Por isso, eu te digo: toda vez em que você estiver diante de algum desafio mais ou menos do tamanho do “bicho” dessa foto:

Corre! Fonte da Imagem: Google Imagens.

Apenas pense:

  • “O que aprendi ontem, e o que eu vou testar hoje?”

Você pode atingir qualquer meta, desde que esteja disposto a ter paciência, perseverança e a errar e aprender o caminho até ela. Se a meta ainda faz sentido, não mude a meta, mude a sua abordagem até ela.

Um grande abraço, e até a próxima.

P. S.: Ironicamente, ou não, o criador da série SoulsBorne, é japonês.

  • dezembro 21, 2022
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