Como o seu planejamento te leva ao desperdício

“Perrengue chique”. Se você fica muito nas redes sociais ou convive (o meu caso) com alguém que fica, já deve ter ouvido este termo utilizado para descrever uma situação onde alguém com alto poder aquisitivo (ou que finge muito bem ter alto poder aquisitivo) acaba tendo um problema – geralmente o menor dos problemas do universo – e termina por resolver este com alguma solução financeira um tanto absurda perante a dimensão do problema. Um exemplo seria, ao invés de comprar um jogo de pneus quando estes atingem o limite de uso, ir até a concessionária e comprar logo um carro novo.

E neste texto, vamos bater um papo sobre o quanto as empresas adoram passar por esse tipo de “perrengue”.

O dia que eu tive que dar uma de rico

Os últimos dias foram chuvosos aqui na minha cidade, e em relação à trabalho, extremamente corridos. Isso resultou em um problema “gravíssimo” na minha vida: a dificuldade em secar as roupas lavadas com um tempo desses. E justamente um tipo de roupa extremamente crítico: roupa íntima.

Devido a outras demandas, e a um grande estoque de cuecas, fui adiando o processo de lavar roupa, e deixando com que acumulasse com outras peças. E eis que começaram os dias chuvosos e eu perdi a chance de lavar essas peças com a tranquilidade de que estariam secas até o final do dia da lavagem. Resultado: chegou na última cueca disponível, e eu não tinha nenhuma outra seca.

Repetir cueca estava fora de questão, me incomoda demais. Muito menos emprestar de alguém. Vestir molhada, sem chance. Ficar sem, também não. Eu tinha um compromisso naquela noite e me sentiria desconfortável o tempo todo estando em contato direto com a calça jeans e não iria aproveitar o tempo com os amigos. Também não havia pijamas ou bermudas, nem shorts de academia limpos como peça substitutiva de emergência.

O que eu fiz?

Comprei cuecas extra para dar conta da demanda até que as já compradas há um tempo secassem.

(Podem rir, este foi o meu “perrengue chique”).

O que essa situação ridícula tem a ver com Lean

Se você ainda não fechou este texto, eu lhe agradeço. Sei que roupa íntima não é o tipo de qualidade de analogia ou metáfora que você espera ler em um site com conhecimento técnico sobre Lean, mas somos seres movidos por histórias, e é isso que nos une e nos prende como sociedade.

Talvez eu apenas esteja um pouco mais obcecado com Lean do que o normal, e vendo situações análogas em tudo e todos. Mas eu juro que tenho uma forma de encaixar essa situação (delicada) da minha vida com as coisas que vemos todos os dias nas empresas.

Podemos começar, por exemplo, quando perdemos o ponto de reposição de um item no estoque, e temos que pagar o frete mais caro para compensar. Ou então, quando adiamos as manutenções preventivas de um equipamento, não trocando um ou dois simples componentes de desgaste, e terminamos com uma quebra que nos faz ter que gastar dinheiro comprando todo um conjunto novo do equipamento.

Perceba que estas situações nos levam a compensar o que houve com algum excesso, também conhecido como desperdício. 

São situações onde não foi um imprevisto, mas sim, falta de planejamento, de acompanhar de perto o andamento de um planejamento, ou de respeitar um planejamento. Eu poderia muito bem ter parado por míseros 15 minutos em algum dos dias antes do meu estoque de cuecas entrar em um ponto crítico e ter colocado elas na máquina de lavar. Estes quinze minutos acabaram me custando R$29,90. Mas em uma empresa, eles poderiam ter custado muito (mas muito) mais.

[…] qualquer coisa além da quantidade mínima necessária de equipamentos, materiais, peças e tempo de trabalho que sejam essenciais para a produção são meramente excesso que apenas aumentam os custos. – definição de desperdício apresentada pela Toyota em 1973.

Eu não precisava de mais cuecas. Mas no desespero, comprei mais, desperdiçando dinheiro, para compensar o adiamento do dia de lavar roupas, que acabou coincidindo com um período de chuvas.

Pagar o frete mais caro por causa do lapso na gestão do estoque é desperdício.

Assim como ter que trocar mais componentes do que o necessário de um equipamento, porque não seguimos o planejamento das manutenções preventivas, levou a um excesso de horas e componentes a serem trocados.

O que eu quero que você guarde deste texto um tanto peculiar é que desperdícios “surgem” como forma de compensar erros, e alguns destes erros são causados por não darmos valor ao planejamento, ao acompanhamento do planejamento ou sequer respeitar um planejamento. São decisões, escolhas – algumas, simples – do dia a dia, que nos fazem ter um sistema com uma eficiência e eficácia menores do que seria possível naquele momento e com aquela estrutura.

Nem sempre você precisa de mais cuecas. Às vezes, você só precisa respeitar o dia de lavar roupa.

Um grande abraço, e até a próxima.