Não padronizar é desrespeitar o ser humano

A chave de tudo está no cérebro. Podemos nos interessar pelos métodos de gestão mais recentes, pelas ferramentas de gestão mais modernas, mas no final de tudo, todas elas serão processadas e aproveitadas de acordo com essa estrutura maravilhosa que existe dentro das nossas cabeças.

Apesar de representar cerca de apenas 2% da nossa massa corporal, o cérebro consome ao menos 20% de toda a reserva de energia que fornecemos ao nosso corpo, se destacando como a parte dele que mais consome nossos queridos recursos. Mas o mais interessante vem agora: aproximadamente 90% de toda essa energia, ele gasta automaticamente em atividades rotineiras de manutenção da sua sobrevivência. Basicamente, fazer você respirar, monitorar o funcionamento geral do seu corpo, cuidar do seu equilíbrio, entre outras coisas sem as quais você provavelmente não duraria muito tempo no seu dia a dia.

Sim:

  • A função mais primordial do nosso cérebro, ao contrário do que a maioria imagina, não é pensar, mas sim, garantir a nossa sobrevivência.

Isso explica muito da nossa tendência natural a buscar sempre o prazer e a sermos preguiçosos, evitando o perigo e conservando energia. Por exemplo, o ato do suicídio é considerado uma anomalia pelo cérebro, por isso, as pessoas costumam hesitar ao menos um pouco, quando não muito, antes de tirar a própria vida. O cérebro percebe que isso é contra a sua natureza.

Isso também significa que te restam somente 10% de energia para gastar com aquilo que seu trabalho exige, que são as atividades conscientes, geração de ideias, raciocínio e tomada de decisão, e quando esta pequena porcentagem de energia que você tem disponível para as atividades que, dentro da empresa, costumam ser as mais importantes (mas que para o seu cérebro, não são), está próxima de se esgotar, ele naturalmente direciona o que ainda sobra diretamente para aquilo que fará a sua espécie sobreviver. E uma vez que nossa capacidade de raciocínio é limitada por causa deste limite de energia e sistema de priorização, a qualidade das nossas decisões também se torna limitada, exigindo períodos de descanso de tempos em tempos.

Mas o que isso tem a ver com o estabelecimento de padrões no ambiente de trabalho?

É sobre isso que vamos conversar neste breve artigo do blog da Leanstart.

“Pensar menos”, para pensar melhor

O objetivo explicito da padronização, dentro dos princípios do Sistema Toyota de Produção, é determinar a maneira mais segura e econômica de executar uma certa atividade, de forma a conseguir repetir com constância o resultado esperado dela, em termos de segurança, qualidade, produtividade e custo. Um outro objetivo pouco compreendido é de criar uma referência para dizermos se uma situação é melhor do que a outra, através da comparação do uso de recursos e resultados, quando estamos propondo ou planejando alguma mudança para melhor no processo. E um terceiro objetivo, ainda menos lembrado e/ou compreendido, é que padrões, ao permitirem que o anormal (aquilo que está fora do padrão) seja rapidamente e facilmente percebido, permitem que o gestor economize capacidade cognitiva. 

Você precisa de menos esforço para identificar problemas, e isso te dá mais tempo para atuar em cima deles e desenvolver pessoas. Fazendo a conexão com os fatos da neurociência, podemos considerar que padrões economizam nossa preciosa e limitada energia de raciocínio, permitindo que, ao termos que “pensar menos” para encontrar problemas, possamos pensar melhor em como resolvê-los. Brilhante, não?

Há tantas coisas que precisam ser gerenciadas pelo supervisor. Pessoas, distribuição do trabalho, ensinar o ‘know-how’ e qualidade, atingir ou ajustar o plano de produção, equipamentos, segurança, estoques, organizar a matéria-prima, setups, etc. Seria impossível cumprir tudo isso de uma só vez e por si mesmo.

No TPS nós ensinamos a padronização destes elementos, e então, o foco nas exceções, os desvios em relação ao padrão. Isso é chamado de gerenciamento das anormalidades.

[…]

Ao organizar cada aspecto da manufatura, definindo os padrões, e garantindo que as pessoas estão seguindo, você pode detectar o que está se desviando do padrão como ‘problema’ e colocar foco em resolver. – Manual Interno do Sistema Toyota de Produção (1973)

Padrões são a base da sobrevivência

A tendência que temos ao ouvir a palavra padrão é pensar em rotina, e pensar em rotina, nos leva a lembrar da palavra tédio. Rotina parece ter se tornado sinônimo de monotonia, desgaste, esforço, quando na verdade, deveria ser o contrário. A rotina em si, nunca é prejudicial. O que pode ser prejudicial é a qualidade da rotina.

Como conversamos no começo deste artigo, a função básica do seu cérebro é preservar a espécie humana, a qualquer custo. Em um panorama geral, isso significa conservar energia e economizar energia para as atividades vitais do seu corpo. Para conservar energia, seu cérebro cria os famosos hábitos: aquelas atividades automáticas que executamos com pouquíssimo esforço. Perceba que você precisa pensar muito pouco para executar muitas coisas (escovar os dentes em determinado horário), e praticamente nada para outras (como por exemplo, respirar). Dos hábitos, derivamos a ideia de rotina. Ter uma rotina significa ter uma previsibilidade sobre o que vai acontecer durante o seu dia, e se você pegou o fio da meada da nossa conversa, sim, não ter que ficar prevendo o que vai acontecer economiza energia pra caramba. O problema é que o esforço para programar as rotinas no cérebro é hercúleo. É doloroso. Queremos prazer e descanso, precisamos preservar a espécie!

Seu desafio é tornar o ato de padronizar ser percebido como o caminho para a liberdade de cuidarmos daquilo que é mais importante, quando é importante, e um catalizador daquilo que torna nossos dias gratificantes no trabalho: não desperdiçar a nossa limitada e preciosa capacidade mental.

Não há nada mais desmoralizante para as pessoas que estão oferecendo sua preciosa energia e tempo à empresa do que serem forçadas a desperdiçá-la. Concentrar seus esforços no trabalho que é útil é o começo do respeito pelas pessoas.

Os seres humanos são motivados quando se concentram no trabalho significativo e são reconhecidos pelo valor de seu próprio trabalho. Pelo contrário, quando são forçados a fazer um trabalho sem sentido, a consciência de seu valor no trabalho fica totalmente fora de questão. E, é claro, não podemos esperar que eles sejam motivados (boa moral).

Há um limite para a energia que pode ser produzida por um ser humano. A extensão em que você conseguiu redirecionar esse esforço para um trabalho útil está ligada ao respeito pelas pessoas. – Manual Interno do Sistema Toyota de Produção (1973)

Espero que você tenha gostado deste breve artigo. Muito obrigado por me emprestar seu tempo e, ainda mais, o seu cérebro.

Um grande abraço, e até a próxima!

Algumas Referências

DIMITRIADIS, N.; PSYCHOGIOS, A. Neurociência para Líderes: Como Liderar Pessoas e Empresas para o Sucesso. São Paulo: Universo dos Livros, 2021.

 

  • dezembro 15, 2022