Afinal, o que significa “agregar valor”?

Agregar valor. Um termo que, com quase certeza, já podemos considerar como uma buzzword: aquelas palavrinhas que de tanto serem usadas da boca pra fora, perdem seu sentido e impacto real.

Utilizada no Sistema Toyota de Produção e no Lean, a expressão é importante para entendermos a ideia de eliminação de desperdícios, um conceito central para a simplificação do trabalho através do Kaizen, e que leva a nossa empresa a um aumento real de produtividade. Portanto, não compreender adequadamente o que significa “agregar valor” pode atrapalhar e muito. Por isso, neste breve artigo, vamos explorar um pouco mais este famigerado termo.

Agregar valor significa agregar utilidade

Entender a ideia de “agregar valor” é mais simples do que parece, e o entendimento começa com a compreensão do motivo de existirem empresas.

O ser humano tem suas necessidades, que são ditadas pela evolução social de cada tempo, mas algumas são básicas de sua natureza, não importando a era. Por exemplo, vamos pensar no ato de nos alimentarmos.

Por que nos alimentamos?

Na situação mais básica, porque sentimos fome, e isso é um alerta de que nosso corpo precisa repor suas reservas de energia, que garantem parte de seu funcionamento. Nasce aqui, uma necessidade.

Quando há uma necessidade, há espaço para satisfazermos essa necessidade através de um produto ou serviço. Mas por que um produto ou serviço? Ou melhor, por que as pessoas compram? Pense no seguinte: por que você compra um carro, ao invés de aprender a fazer um, comprar os equipamentos e a matéria-prima e fazer o seu?

Simplesmente porque isso aumentaria demais o custo – de esforço e dinheiro – em relação ao benefício de poder se locomover por longas distancias de forma mais confortável.

Aqui começa o casamento entre necessidade e agregar valor: agregar valor significa agregar utilidade, de forma a criar uma relação custo benefício interessante para o nosso cliente. Vamos ver um exemplo fora do ramo industrial.

A sua segunda-feira

Segunda-feira, corrida, cansativa, e finalmente o dia termina. Muitas reuniões inúteis, clientes reclamando de problemas de qualidade, e você não consegue atuar nisso o quanto deseja, pois a cultura da sua empresa não compreende a importância.

Como se não bastasse toda essa frustração logo no início da semana, ainda tem o trânsito, o calor…e a fome. Chegando em casa, a vontade de cozinhar algo é zero. O caminho mais provável será banho e dormir com fome. Seria tão bom se existisse algo que pudesse ser útil para a sua necessidade de poder ter várias opções de cardápio, sem o trabalho de ter que comprar os ingredientes e prepará-los…

Enquanto isso, lá no iFood

Excelente, identificamos que existem pessoas precisando de várias opções de cardápio, sem ter o trabalho de ter que comprar os ingredientes e prepará-los. E se nós pudéssemos, através de algum tipo de tecnologia associada à internet, satisfazermos essa necessidade das pessoas? Já pensou se elas pudessem ter isso na palma da mão? Como, por exemplo, em um aplicativo de smartphone?

Uma análise rápida de processo

Voltando aqui e deixando nosso filme de lado um pouco: qual é a matéria-prima de um aplicativo?

Do que ele é feito?

Já parou para pensar que tudo, independente de bem ou serviço, é resultado de uma transformação de matérias-primas?

Linhas de código são a matéria-prima básica para fazer um aplicativo.

Mas se o iFood te mandasse um monte de linhas de código, isso seria útil para satisfazer a sua necessidade de ter várias opções de cardápio, sem o trabalho de ter que comprar os ingredientes e prepará-los?

O que o iFood precisa fazer com a matéria-prima para ela atender à sua necessidade?

A resposta é: agregar utilidade nela.

Um monte de código solto não cria um aplicativo onde você consegue comprar comida. É preciso que essas linhas de código sejam processadas – transformadas – por um processo de escrever um algoritmo que crie as funções do aplicativo, de selecionar o restaurante, fazer o pagamento, e ainda antes disso, dos restaurantes poderem cadastrar seus produtos. Podemos chamar esse processo de desenvolvimento, e é durante o processo de desenvolvimento que os devs agregam utilidade à linguagem de programação – matéria-prima – que irão utilizar.

De forma resumida: a matéria-prima é inútil para o cliente, pois não resolve a necessidade dele. Quando processamos ela e transformamos em algo útil ao nosso cliente (em relação à necessidade que ele tem), ele passa a estar disposto a pagar pelo resultado desse processo de agregar utilidade, desde que o produto tenha um beneficio que ele deseja (satisfaça sua necessidade) e que supere o valor financeiro que ele precisa desembolsar.

equacao-custo-beneficio

A continha que seu cérebro faz automaticamente toda vez em que você vai comprar algo (a não ser que você seja rico a ponto de poder usar notas de dólar no lugar do seu papel higiênico). Como quem decide o grau de qualidade/utilidade é o cliente, devemos ter foco no nosso custo de entregar esse valor, se queremos lucrar mais.

O que não agrega utilidade é desperdício

Agora entendendo a questão da utilidade, identificar os desperdícios se torna menos difícil. Agregar valor significa agregar utilidade a uma matéria-prima através daquilo que chamamos de processo, e processar nada mais é do que alterar, transformar a forma de uma matéria-prima. Esse é o motivo de, por exemplo, o transporte de matéria-prima dentro de uma indústria ser um desperdício:

Se o problema (necessidade) do seu cliente é uma chapa de aço com um furo de 10 milímetros no centro, transportar a chapa do estoque até à furadeira agrega valor – utilidade – na chapa?

Não. Transportar ela não agrega a utilidade que o cliente quer, não transforma o estado da matéria-prima, e por isso, devemos eliminar a necessidade de transporte ao máximo. O único mísero momento onde essa chapa recebe utilidade são aqueles poucos segundos onde a broca da furadeira remove material, deixando no local, um furo de 10 milímetros. O tempo de deslocamento da broca até encostar na chapa é desperdício. O mestre Sr. Shigeo Shingo já dizia que no processo de apertar um parafuso, a única parte que agrega valor é aquela última menos de uma volta, que dá o aperto. O tempo que você gastou para parafusar o resto do comprimento do parafuso é desperdício, porque o cliente não quer o giro do parafuso: ele quer que, seja lá qual for o produto que é fixado por aquele parafuso, esteja fixado. Pode se assustar: é nesse nível de detalhe que devemos chegar com nossa eliminação de desperdícios.

Quer ver outra coisa legal e como tudo isso está interligado com ter foco no cliente? Quando não agregamos a utilidade esperada pelo cliente, nasce aquilo que chamamos de problema de qualidade. A qualidade de um produto é simplesmente se ele entrega a utilidade esperada pelo cliente. E se um produto não entrega a utilidade esperada, e empresas existem para satisfazer a necessidade do cliente através da utilidade de um bem ou serviço, o que significa não entregarmos algo de qualidade?

Significa simplesmente que você não está fazendo o básico, o mínimo, e que seu negócio sequer deveria existir, pois não cumpre seu requisito mais básico para existência.

O perigo do “aquilo pelo qual o cliente está disposto a pagar”

Uma outra definição comum para entender o conceito é considerar “tudo aquilo pelo qual o cliente está disposto a pagar” como algo que agrega valor. Mas pode ser que seu cliente esteja disposto a pagar por algo que é categorizado como desperdício. Pode ter algum extra no seu produto, que não tem utilidade para ele (o cliente), ou alguma atividade que torna seu processo mais caro, e seu cliente ainda sim paga o preço que você pede. Há situações onde o preço que ele paga é aceitável do ponto de vista dele, e ele não vai reclamar disso. Pode ser que você não tenha concorrentes, e portanto, ele não tem para onde correr. Ou como você sempre ganhou e ainda está ganhando dinheiro, e o modo como você faz segue as “boas práticas” da sua indústria, acredita que não deveria se preocupar. Mas eu diria que manter essa atividade pode ser uma grande estupidez. Primeiro, porque se você pode eliminá-la sem afetar a utilidade para o cliente, isso significa que se você não o faz, está deixando dinheiro na mesa. Você poderia estar lucrando mais. E segundo, porque algum concorrente pode perceber a estupidez antes de você, eliminar a atividade, e oferecer um preço menor ao seu cliente, fazendo com que você tenha que amargar uma queda forçada nas suas margens.

No final das contas…

Entender o que é útil para o seu cliente ou seu mercado alvo é importante para entender quais operações dos seus processos e quais dos seus processos agregam valor, ou se simplesmente, aumentam custo. Mas há um agravante e que pode tornar isso uma armadilha: o processo de entender isso não deve ser uma desculpa para não começar a eliminar as esperas, as perdas por baixa qualidade, o excesso de transporte, e tudo aquilo que claramente é desperdício. Valor é uma percepção que pode ser muito subjetiva e isso a torna difícil de compreender com rapidez. Já os desperdícios, estes são específicos e acionáveis de imediato. Siga a mente do sensei que diz:

Trabalho – Desperdício = Valor

E sempre que você analisar um processo, pense com a cabeça do seu cliente externo, mas sem esquecer que ele é satisfeito por uma boa relação entre clientes internos: o processo seguinte é o cliente do processo anterior, até o produto chegar no seu cliente externo.

E aí? Já parou para pensar se você está agregando utilidade para o seu cliente hoje?

Um grande abraço, e até a próxima!

  • julho 29, 2021
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